Começar o vida à toa sem falar
de umas das coisas que mais me apaixona na vida faria pouco sentido, por isso
mesmo não poderia deixar de contar um pouco a história de como caí no mundo da
Biologia. Era nova, inocente... devia ter os meus 7 anos de idade quando
o bichinho pela Vida Selvagem existente nas vastas planícies da Savana e ricas
florestas da Amazónia começou a entrar na minha casa através da televisão,
narradas pela inconfundível voz de Eduardo Rêgo.
Nessa altura nada sabia do que era Biologia, mas
fascinava-me ver na televisão dos meus pais a dinâmica familiar dos
leões. As suas longas sestas (afinal de contas, os leões machos retêm a fama de
dormir 20h por dia...), as crias, e as suas milimétricas manobras para
arrebatarem o jantar, frequentemente um gnu ou uma zebra matando a sede de
forma pouco cautelosa num charco da savana. Cedo comecei a imaginar-me no papel
daqueles repórteres, vivendo em tendas dias a fim para conseguir a melhor
história, aquela perseguição da presa perfeita ou o aguardado cair das
primeiras chuvas, catártico, para toda a savana… Com a mesma volatilidade de
uma criança tão depressa decidi, porém, que queria ser em vez disso médica veterinária
e nadadora salvadora, qual heroína das Marés Vivas prestes a mergulhar no
perigo para salvar um incauto banhista na praia da Barra. Era um plano
exequível - assim pensava - e útil. Mantive o sonho durante um ou dois anos,
até que uma onda de ataques de peixe-aranha levou alguns banhistas da zona para
o hospital e revoguei o meu sonho de ser a próxima Pamela Anderson. A ideia de
ser médica veterinária dissipou-se, igualmente, pouco tempo depois quando a
minha mãe, qual ser sem coração, me informou que depois ia ter de eutanasiar os
“cãezinhos” doentes...
Eduardo Rêgo, locutor do Vida Selvagem (em exibição na SIC todos os fins-de-semana às 12h00) |
Passaram-se anos, e fui continuando a ver fielmente o BBC Vida Selvagem, o ex-libris a meu ver
da National Geographic, todos os
fins-de-semana, assim como fui lendo outras publicações em revista como “Super
Interessante” ou mesmo a edição em papel da “National Geographic”. O interesse
continuava lá, mas ia-se intercalando pelo interesse por outras ciências como a
ecologia, a física, a química e, claro, a astronomia. Quis ser um pouco de
tudo, mas aquilo que sempre foi comum pensar durante todos aqueles anos é que o
que eu queria mesmo ser era… cientista! Nisso eu lá acertei, é certo, mas foi
só no secundário que, em grande parte influenciada por duas grandes professoras
de biologia, que fiquei rendida área e caí nesta teia maqueavélica da Biologia!
Foi um desgosto tremendo para a minha mãe, à data, chegar à conclusão de que não ia ser médica ou outra “profissão importante” na área, mas a partir do momento em que lhe aparecia em casa com os olhos a brilhar e a falar de um tal Sr. Darwin ou tentar explicar coisas como a “genética mendeliana”, ela acabou por relutantemente aceitar que estava perdida. Assim foi, e assim entrei mais tarde em biologia na universidade de Aveiro para aprender que… nada sabia realmente do que era a Biologia. Por entre semestres aprendendo coisas mais lógicas desde as várias formas de biodiversidade existentes no nosso planeta terra ao estudo de fenómenos “invisíveis” como o funcionamento dos processos intra-celulares essenciais à manutenção da vida… fui atirada para um mundo bem mais vasto (e interessante) do que antes tinha imaginado.
Foi também na licenciatura que tive a minha primeira
experiência em “investigação” num laboratório da Universidade de Aveiro. Lancei-me
assim na ecologia e toxicologia ambiental, ou seja, no estudo do efeito dos
contaminantes no ambiente nos seres vivos que nele habitam, e por esta área
fiquei. Da licenciatura lancei-me no mestrado, mudei os meus organismos foco de
estudo, e de peixes e dáfnias passei a olhar para as aves. Com cada dia que
passava, até hoje, fui criando a convicção de que realmente investigação era realmente
“ a coisa” … “the thing”.
Acabei o mestrado com a certeza de que queria fazer
doutoramento, mas saí pela primeira vez de Portugal para ir ao encontro de
novas linhas e perspectivas de investigação. Foi assim que comecei as minhas viagens
para a Bélgica, mais concretamente Gent, onde fiz um estágio ERASMUS e tive a
oportunidade de prosseguir com os meus estudos na mesma linha de investigação
até hoje.
Não foi um percurso fácil, mas hoje aqui estou. No início
do meu terceiro ano de doutoramento, com muitas histórias e peripécias pelo
meio por contar. Olho para trás e tenho a certeza de que não mudava uma vírgula
no que fiz. Cometi erros, e aprendi com eles… Tornei-me uma pessoa com uma
visão mais ampla do mundo e tive a sorte imensa de conhecer neste percurso
pessoas inspiradoras que espero um, dia, poder dar também a conhecer neste
espaço.
É um lugar-comum perguntarem-me depois do doutoramento o
que tenciono fazer. Trabalhar em investigação em Portugal, nos dias de hoje, é no
mínimo um desafio (e um tema para um ou mais tópicos diferentes). O dinheiro,
como em tudo, escasseia... E a verdade é que poucas pessoas têm a percepção
real da importância que tem a produção científica na nossa sociedade. Somos
muitos, fazemos coisas tão diferentes… e que frequentemente passam ao lado do
Srº João ou da Dª Manuela cuja principal preocupação é, e bem, conseguir
esticar o seu ordenado até ao fim do mês. Com um pouco de sorte, eles vão
confundir-me com uma ativista da Greenpeace e pensar que sou apenas uma chata
ambientalista…
Temos, em ciência, um problema central: passar a um
público não alvo, frequentemente menos informado, o que fazemos e porquê. Pior,
temos a tarefa herculana de tentar mudar a forma de pensar da indústria e do
sistema financeiro (capitalista até ao tutano), dos senhores que se acham donos
do mundo e que estão “pouco se maribando” para as actividades que conduzem e
fragilizam de forma progressiva o planeta em que vivemos. Tudo isto requer diálogo
e uma luta constante, invisível e frequentemente pouco reconhecida pela nossa
sociedade. É inglório ser cientista em Portugal, é um facto, mas de todas as
pessoas que como eu vão tentando sê-lo, não é a glória e muitos menos o
ordenado que nos move.
Trabalhamos em ciência porque gostamos, porque nos
apaixona… Trabalhamos sem sermos sequer considerados trabalhadores -até porque a
nossa legislação laboral não nos considera como tal- e se quisermos descontar
para a segurança social temos de o fazer de forma voluntária. A maioria de nós
não tem (nunca teve) o 13º mês, direito a férias ou licença de
maternidade/paternidade. Nenhum banco nos concede a título individual um empréstimo
e se ficarmos doentes, não temos subsídio de doença. Vivemos de bolsas, e às
vezes nem essas são regulares, que a FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia)
atribuí de forma mais ou menos parca (emais ou menos idónea) nos concursos que
tem aberto nos últimos anos.´
Ainda assim, e sabendo que estas são as minhas parcas perspectivas,
estes são os meus desafios caso queira manter-me neste mundo… o sonho não desvanece. Porquê? Talvez sejamos masoquistas,
loucos ou… simplesmente idiotas. Nos dias piores, eu acho que somos um misto de
tudo isto, noutros eleva-se apesar de tudo apenas aquela curiosidade e paixão
que nos é inata e nos move… absolutamente irracional. E é essa paixão que eu
sei que, invariavelmente, no final me vai levar sempre a sorrir para os meus
interlocutores e responder “A seguir, talvez pós-doutoramento!”, enquanto
encolho os ombros.
Já sei que eles vão achar que sou louca… Não estão longe
da verdade. Soubessem eles o mundo em que vivo e talvez entendessem. Não é
fácil explicar a dimensão de tudo o que se pode fazer em Biologia, mas é
possível levantar uma pequena ponta deste mundo.
A vocês deixo aquele que é, na minha opinião, um dos documentários mais interessantes realizados em Portugal sobre uma pequena parte da investigação que se faz em Biologia em Portugal. Produzido em parceria com o Departamento de Biologia (DEBIO) da Universidade de Aveiro (UA), foi exibido num dos epísódio do BBC Vida Selvagem na SIC a 30/08/2015 o "Laboratórios de Natureza". Vale a pena ver ou rever.
A vocês deixo aquele que é, na minha opinião, um dos documentários mais interessantes realizados em Portugal sobre uma pequena parte da investigação que se faz em Biologia em Portugal. Produzido em parceria com o Departamento de Biologia (DEBIO) da Universidade de Aveiro (UA), foi exibido num dos epísódio do BBC Vida Selvagem na SIC a 30/08/2015 o "Laboratórios de Natureza". Vale a pena ver ou rever.
Um até breve e espero que gostem!
Cátia
O antepenúltimo parágrafo eheh :) eu acho que somos mesmo loucos (e temos de ser!) ;) Gostei de ler! Revi-me em muita coisa :P
ResponderEliminarBeijinhos
Temos de ser louco, sim :) Mas o que é a vida sem um pouco de loucura...
EliminarObrigado pelo comentário Vanessa! <3