Muitas vezes dou por mim a pensar que vivemos numa sociedade estranha.
Desvalorizamos aquilo que nos torna únicos, procurando quase que
desesperadamente adaptarmo-nos às tendências da moda ou às espectativas dos
outros, e vendemos ao desbarato a nossa singularidade. Foi-nos ensinado que
devíamos estudar para "ser alguém" na vida, ter um bom emprego e
perspectivas de futuro... E então saímos das nossas universidades para o mundo,
fazemos um currículo bonito, e enviamos sem obter muitas vezes sequer uma resposta.
Trabalhamos para ganhar dinheiro e ter uma vida confortável, às vezes
desdobramo-nos em empregos ou enfrentamos horas extra para ganhar mais uns
trocos ou subir na carreira profissional, abdicando do nosso descanso, família
e vida social. Por estas razões e por muitas mais vivemos cada vez mais
stressados e banalizamo-lo como se de uma gripe se tratasse.
Caracterizamos o nosso stress como uma coisa passageira, inofensiva e unidimensional
quando na realidade o stress não só é responsável por alterações emocionais,
como também por alterações físicas e cognitivas. Entre outros efeitos, o stress
pode produzir alterações como a ansiedade, aumento da tensão arterial, doença
coronária, depressão e mesmo enfarte do miocárdio. Ou seja, que pode provocar
alguém é capaz de adivinhar? Em casos irreversíveis: morte.
Assumindo que agora retenho um pouco mais da vossa atenção, passo a
explicar a razão pela qual hoje decidi ficar-me pela temática do stress...
Segundo um relatório da Agência europeia para a Segurança e Saúde no
trabalho, Portugal está entre os países da europa cujo o índice de stress
laboral (59%) é mais elevado. Desde o volume de horas que um trabalhador
em Portugal está sujeito à insegurança laboral e financeira dos mesmos, este
facto não me causa grande surpresa. Apesar de o mesmo não me causar grande
surpresa, no entanto não deixa de suscitar alguma inquietação. E porquê, ora
bem…
Porque atrás de um trabalhador vem, frequentemente, uma família… o que me
leva a questionar as mais variadas coisas nomeadamente:
Que impacto tem este stress nas nossas estruturas familiares? De que forma
vão alguns destes trabalhadores – colegas de trabalho, filhos, conjugues e pais
ou mães – condicionar os níveis de stress de quem os rodeia? Em termos
individuais, que tipo de apoio têm efectivamente para lidar com o stress? Quão
abertos estamos enquanto sociedade para debater este assunto com transparência
e seriedade?
A impressão que eu tenho é que estas perguntas carecem ainda de resposta. Parte do problema vem porque não nos preocupamos com o stress, desvalorizamo-lo
no nosso dia-a-dia e dessa forma tornamo-nos cada vez mais reféns dele. Se por
um lado já desvalorizamos o stress laboral, então outras “coisas” como o stress
social ou o stress infantil nem cabem na nossa cabeça.
A verdade é que somos cada vez mais indivíduos cronicamente stressados e que
este stress começa cada vez mais cedo. Desde pequenos, no próprio sistema
educativo: associado à carga horária lectiva diária ou à pressão excessiva sobre
as crianças para melhorarem o rendimento escolar. Agrava-se à medida que se
envelhece e transitamos para o stress relacionado com a incapacidade de
encontrar trabalho ou o stress induzido pelas nossas relações interpessoais que
vão e vem, deixando mais ou menos marcas.
Assim, em períodos mais ou menos prolongados das nossas vidas, vamos lidando cada vez com cargas maiores e mais
intensas de stress e vamos aguentando. Aguentamos até não dar mais, procurando
as mais diversas (e nem sempre correctas) formas de escape. Aguentamos porque
tem de ser, porque ter “stress” é banal e ceder a ele é coisa de “fraco”… e aguentamos
às vezes até não dar mais.
Depois vem o resto. Mas quando isso acontece, já ninguém se lembra que tudo
começou por aquele inofensivo stress… Este sai, inocente, sem que ninguém lhe
aponte qualquer dedo. E assim vamos banalizando-o, e vamos tapando os olhos reféns
dele, quais mártires suicidas, abraçamos a nossa condição de cronicamente
stressados como se de um aumento do IVA se tratasse.
E quando nos perguntam como vamos, e comentam que temos um ar um pouco mais cansado lá vamos sorrindo e encolhendo os ombros:
“Ah, não é nada… só ando um pouco mais stressado!”
E quando nos perguntam como vamos, e comentam que temos um ar um pouco mais cansado lá vamos sorrindo e encolhendo os ombros:
“Ah, não é nada… só ando um pouco mais stressado!”
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